Artigo de Sílvia Quinteiro, com a colaboração de Maria Mota Almeida, autoras do livro do livro Turismo Literário - Construção e Exploração de Roteiros

O turismo literário, quando alicerçado em roteiros bem construídos e narrativas cuidadosamente elaboradas, transforma o modo como habitamos o espaço e como o (re)descobrimos. Em Portugal, esse potencial é significativo, não apenas pela riqueza do património literário nacional, mas também pelo modo como o território tem inspirado obras de autores estrangeiros que situaram as suas narrativas em paisagens portuguesas, ampliando o alcance literário do país e integrando-o numa cartografia afetiva e cultural de dimensão internacional.

A construção de itinerários literários permite ativar novas leituras do território, valorizando regiões que escapam às lógicas do turismo convencional. Um bom roteiro literário é uma proposta interpretativa, narrativa e sensorial. Requer método: investigação, criatividade e respeito pelo texto, pelo território e pelas comunidades que o habitam, como é explicado no livro Turismo Literário – Construção e Exploração de Roteiros (Pactor: 2025).

A Norte, por exemplo, o itinerário Rostos Refletidos de Teixeira de Pascoaes, em Amarante, propõe uma imersão nos lugares de vida, de escrita e de pensamento do poeta. Partindo da cidade natal do autor, o percurso inclui locais emblemáticos transfigurados pela escrita de Pascoaes. A experiência é desenhada em torno de “rostos” simbólicos atribuídos ao poeta, o Rosto Poeta, o Rosto Metafísico, o Rosto Saudosista, entre outros, que funcionam como estações de leitura e reflexão, convocando simultaneamente a dimensão espiritual, filosófica e paisagística da sua obra.

Descendo até ao centro do país, o trabalho em torno de Vergílio Ferreira constitui uma oportunidade para explorar a geografia afetiva do escritor. O Roteiro Literário Vergílio Ferreira propõe percursos que convidam o visitante a percorrer os espaços de Melo (Gouveia), a aldeia natal do autor, amplamente revisitada na sua obra, sobretudo no romance Para Sempre (1983), e o espaço circundante. A estes soma-se a Casa Para Sempre Vergílio Ferreira, espaço dinâmico e imersivo, concebido como centro interpretativo da sua vida e obra e como dispositivo de afeto e envolvimento do leitor-viajante.

No Alto Alentejo encontramos outro exemplo: o roteiro Os caminhos d’O Conspirador, desenvolvido em Marvão, tem como ponto de partida o conto “O Conspirador”, de Branquinho da Fonseca, publicado em 1938, cuja ação decorre nesta vila de fronteira. O itinerário conduz o visitante por espaços emblemáticos como o castelo, as ruas estreitas e as igrejas, articulando elementos da narrativa com o contexto histórico da raia alentejana. Mais do que ilustrar a obra, o percurso propõe uma leitura sensível e crítica da paisagem e da memória local, convocando simultaneamente a densidade literária do texto e a espessura simbólica do território.

A sul, a valorização do território através da literatura ganha expressão sobretudo nas rotas Rota Literária do Algarve e Rota Literária Saramago no Algarve, ambas concebidas com o objetivo de mapear autores, textos e lugares que cobrem toda a província, promovendo um conhecimento mais profundo e descentralizado da região. A primeira propõe a descoberta de um conjunto heterogéneo de escritores, de João Lúcio a Lídia Jorge, de Manuel Teixeira Gomes a Teresa Rita Lopes, cujas obras oferecem leituras plurais e inesperadas do sul do país. Organizada por núcleos territoriais, esta rota permite ativar diferentes geografias literárias (litoral, barrocal e serra). A Rota Literária Saramago no Algarve, por sua vez, fixa-se no olhar singular do Nobel português sobre o território algarvio, recolhido em Viagem a Portugal (1981). Em conjunto, estes roteiros funcionam como dispositivos de descentralização cultural e educativa, permitindo ao visitante percorrer o Algarve para além dos estereótipos balneares.

Estes exemplos evidenciam o papel do turismo literário como impulsionador da valorização económica, social e cultural dos territórios. Ao promover experiências significativas em contextos de baixa densidade populacional, envolver as comunidades locais e estimular formas alternativas de fruição do património, este tipo de turismo convida a uma descoberta mais consciente e sensível do país, a um olhar renovado sobre Portugal, ancorado nas palavras que o pensam e o sentem.

Sílvia Quinteiro

Professora Coordenadora na Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve. Investigadora integrada do CIAC da Universidade do Algarve, onde coordena o grupo Lit&Tour. Colabora com redes e projetos internacionais, como a Rede Entremeio da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o projeto LITESCAPE.PT - Atlas das Paisagens Literárias de Portugal Continental e o projeto RuTIC das Universidades de Valência e Barcelona. Cocoordenou a criação da Rota Literária no Algarve e foi membro das equipas que elaboraram a Rota Literária Saramago no Algarve e a RuTIC; Coautora do livro Turismo Literário - Construção e Exploração de Roteiros (PACTOR)

Maria Mota Almeida

Professora Adjunta na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE). Desenvolve investigação nas áreas de Museologia, Património Cultural e Turismo Cultural e Literário. Colabora com redes e projetos internacionais, nomeadamente com a Rede Entremeio da Universidade Federal do Rio de Janeiro; investigadora integrada no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade NOVA de Lisboa; investigadora colaboradora no CIAC da Universidade do Algarve, no Grupo de Investigação em Literatura e Turismo - Lit&Tour e no Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação em Turismo (CiTUR - Polo Estoril); Coautora do livro Turismo Literário - Construção e Exploração de Roteiros (PACTOR)