Analisando cada fotografia, cada viagem da Ana Abrão (@ana.abrão.photo), a premiadíssima luso-brasileira que reside no nosso Algarve: vai ver recreios por essas viagens na Ásia em que ser criança não existe. Numa fotografia, por exemplo, vemos o seguinte cenário: numa berma algures no Vietname, no contexto de um mercado, encontramos uma menina triste acolhendo outra criança desesperada por proteção. Não se percebe qual delas mais necessita dessa proteção. Tudo isto numa fotografia tocante em que se veem pormenores como um cesto pousado no chão, provavelmente com ingredientes para comercializar durante longas horas a fio. Uma criança esganada de responsabilidade com um cesto no chão. Sem adultos a supervisionar e talvez quase sem divindade por perto.

Num retrato mais sombreado e na vertical, vemos uma criança que tinha acabado de entrar numa fábrica na qual só adultos deveriam ter lugar. O trabalho dele era colher folhas de chá num dia a dia constante. Uma vida que passa paulatinamente de forma triste. Mas, há intervalos em que a felicidade raia pois recordo bem como estas crianças sobrecarregadas espalham sorrisos e uma magia de ‘mundo à parte’. Embora em exteriores que carecem ou de limpeza ou de um abraço fraterno. Noutra das suas imagens, vemos duas crianças à volta de um fogareiro, preparando uma refeição diária indiana, enquanto a família não chega de um funeral.

A preto e branco, o retrato revela um menino lavando a loiça num balde, no exterior de casa, enquanto a irmã observa. E nós, os viajantes, se tivermos alma apurada, observamos tudo isto com riqueza. Mas, a maioria das pessoas prefere procurar os sorrisos gigantes nas fotografias. Sorrisos pontuais. E, por ver e sentir a grandiosidade ‘fotográfica’ de Ana Abrão (e também por já ter visitado estes mesmos lugares e, muitas vezes, ter estado igualmente a observar tais crianças), penso muitas vezes nos viajantes que, ignorantemente, dizem que não querem viajar para “terras de caniços”. Preferem os destinos de luxo e de ‘férias à séria’.

Crianças do mundo
créditos: Ana Abrão

O que é conhecer Mundo se não percebermos essas terras e crianças que não conhecem as típicas convivências infantis a que estamos acostumados? Seria tudo uma ignorância de dois hemisférios juntos. Ainda bem que há viajantes como a Ana Abrão e há livros como “Outros Mundos” que nos fazem viajar sem sair de casa. Fotografias de nos abrandar a pulsação e dilatar as pupilas. A nossa entrevistada descreve os protagonistas de amor assim: “crianças cozinheiras, cuidadoras, trabalhadoras rurais, estudantes dedicadas à vida espiritual”.

E tudo pode ser costume ou cultura, mas há limites para distinguir as mágoas de grandeza desta humanidade que não deixa as crianças terem mais liberdade nos seus recreios. Dedicamos este artigo, eu e a Ana Abrão, às crianças de “Outros Mundos”.